sábado, 25 de julho de 2009

A bicicleta mágica



Todo dia Quico ficava parado do lado de fora da loja, olhando... só olhando.
Ele ficava ali naqueles minutos mansos,calmo...com o olhar viajando na muitas aventuras que ele poderia ter com a bicicleta.
Humm...seria tão bom pedalar pelas ruas da cidade, dando pequenos saltos nos parale...le...nas pedras!E quem sabe ir pelos caminhos de estrada de chão,sentindo o cheirinho de mato,escutando o gado silencioso...
"Quico!Oh Quico! Acorda,vão brincá." Era o Tilim,o melhor amigo do Quico. Sabe porque o apelido dele é Tilim? É que desde que ele chegou a Matão que ele tem uma latinha com moedas no bolso,fazendo aquele barulhinho enjoado "tilim,tilim". Ai pronto o Tilim ficou sendo Tilim mesmo.
Ah,pois é, como eu estava falando, o tilim e o Quico sempre estavam juntos.Jogando bola,soltando pipa,na escola...em tudo,menos na hora dos sonhos pela bicicleta. Tilim não via a menor graça naquela bicicleta,ela era assim como todas as outras, 2 rodas,cílim,quadro,tudo igual. O que o Tilim gostava mesmo era de jogar bola.Isto ele fazia o tempo todo. A mãe dele vivia dizendo:"Menino larga esta bola!" É ruim heim,ele não largava mesmo!




Já fazia cinco meses que o Quico tava juntando o dinheiro do picolé pra comprar a tal bicicleta.Nosso pai deu uma parte,mamãe também sempre ajudava,dando pra ele algumas moedas que sobravam de troco da mercearia. E ai contaram,contaram, mas o dinheiro ainda não dava. Era de dar pena, o Quico já tava até chato,de tanto falar,pensar e olhar a bicicleta.
A tristeza era tão grande que nada mais era divertido. Brincar de bola com o Tilim era cansativo,correr com a meninada pelas ruas não tinha gosto nenhum. Até vender picolé ficou chato. O cheiro,os sabores,tentar conquistar os fregueses...tudo ficou um tédio só.
A tardinha, depois do banho, ele ficava ali sentado,fingindo que tava vendo televisão, mas na verdade ficava era pensando na bicicleta. À noite quando ele sonhava era muito bom, nos sonhos a bicicleta era mágica,sempre que ele queria dr uma volta ela aparecia. E os pedais eram diferentes, eles se encaixavam nos pés. Era só ele sentar que a bicicleta funcionava sozinha, eles andavam por paisagens lindas e diferentes, lugares que ele só tinha visto na televisão. A bicicleta conseguia até andar naquela areia fofa do mar! Bem,saber ,saber que a areia era fofa, Quico não sabia, mas todos nós imaginávamos que fosse assim meio parecida com o areial do rio, boa de pisar e sentir entrando entre os dedos,sequinha, sequinha, nem parecia que tava ali do lado daquele aquaceiro danado de bom.




Assim passavam os dias de Quico,pelos cantos, tristonhpo esperando à noite chegar e trazer seus sonhos de bicicleta mágica, com passeios no mar, em meio as árvores e lugares que a gente nem entende como é.
Eu e Tilim ficávamos todos os dias ouvindo Quico contar as histórias de seus sonhos. Para mim era o melhor momento do dia, enquanto Quico contava seus sonhos eu viajava pelos caminhos que a bicicleta o levava. Era meu sonho acordada, onde a imaginação era o caminho para o desconhecido, a porta de encontro entre eu e Quico. Nestes momentos eu me sentia tão grande quanto ele. Até esquecia que ele tava sempre me dando cascudos na cabeça e me chamando de pirralha. Mas para Tilim era diferente, aqueles momentos eram de angústia e raiva. Ele queria era ir brincar,correr atrás da bola,subir nas árvores... fazer tudo que eles sempre fizeram. Mas desde que esta tal de bicicleta apareçeu na loja de seu Venâncio que Quico não era mais o mesmo.



Foi ai que o Tilim me chamou pra conversar. Esta era a segunda vez que tinhamos estas conversas secretas, tirando isto eu era assim meio que invisível para ele. Todos os dias ele passava por mim,prá lá e pra cá,sem falar nada. Assim que o
Quico começou a juntar dinheiro para a bicicleta, o tilim me chamou,com um ar muito sério e, me disse assim como se fosse um segredo muito perigoso,cochichando: "Não podemos deixar o Quico comprar a bicicleta."
No início achei estranho, mas ai ele explicou que iria perder o amigo de bola,que o Quico nãi ia mais ligar pra gente, e que isto e aquilo. Foram tantas explicações que eu concordei. Mas como impedi-lo de comprar a bicicleta? Foi o Tilim que veio com a idéia já pronta,com coisa que pensava no assunto a dias. Ele me explicou: "Você todo dia tira uma moeda, vigia onde ele vai guardar e tira uma moeda pequena, pra ele não dar falta. Depois vc guarda em outro lugar. Ai o dinheiro dele não vai render e ele nunca que vai comprar a tal bicicleta."
E assim eu fui fazendo.Cada dia o quico mais triste,mais sonhos,mais histórias; eu mais feliz e o Tilim mais triste.




"Se o Quico descobrir o que a gente anda fazendo nunca mais vai ser meu amigo. Nunca que ele vai me perdoar." Esta foi a desculpa que o Tilim arrumou pra me convercer a devolver o dinheiro,mas eu não queria,tava tão bom. O Quico conversando comigo,quieto dentro de casa me contando os sonhos...
Mas o Tilim tava mesmo nervoso, eu tinha que colocar o dinheiro no lugar,mas devagar,uma por uma pra ninguém notar.
E assim começei, todo dia uma moeda.Que nem formiguinha,desfazendo o que tava feito. O estranho é que cada moeda que eu guardava de volta me fazia mais triste, mais longe do Quico.



Um dia, Quico chegou com sua caixa de picolé, e veio aos gritos, veio chamando papai pra ver o que ele tinha achado. Foi um grande alvoroço. Quico pulando de alegria e nós sem saber por que. Meu pai pegou aquela pequena sacola plástica, olhou... abriu... tirou o papel que tava lá dentro. No papel estava escrito ,com uns garranchos bem grandes: "Para interar na bicicleta."
Meu pai ficou meio desconfiado.Fez muitas perguntas ao Quico, depois chamou o Nerço, nosso vizinho que era da polícia. Os dois conversaram, meu pai mostrou a sacolinha e olharam, e olharam de novo. Até que meu pai chamou o Quico e disse que tava tudo bem.
No outro dia logo que a loja abriu o Quico foi buscar a bicicleta. Foi todo bobo, parecia que tava voando, pisando como que nas nuvens. Na hora de voltar tava ainda mais bobo, mostrando a bicicleta pra todo mundo, e até parecia um troféu. Veio empurrando, devagar, pra guardar aquele instante na memória.
Passou pela casa do Tilim e chamou ele pra ver a bicicleta. "Monta nela rapaz, vá logo dar uma volta!" . O Tilim foi logo falando.
Foi só ai que o Quico lembrou que não sabia andar. O Tilim falou que ensinava, que era coisa mesmo fácil de aprender. E assim eles passaram o dia, subindo,caindo, levantando. E tentaram 1,2,3...vparios dias, mas o Quico não aprendeu, perdeu o gosto. Aos poucos voltou a jogar bola, a correr , subir nas árvores.
"Pena a bicicleta não ser como nos sonhos do Quico." Eu pensava.
Aos poucos tudo foi voltando a ser como antes. Tudo menos o tilim-tilim da latinha no bolso do Tilim. Ninguém nunca mais ouviu, mas também ninguém se lembrou. A gente só escutava os risos, as brigas, o corre-corre de dois amigos que sempre estavam juntos.